Cenários de evolução
Somos vossa companhia desde o primeiro ano deste novo século que já parece tão velho como a história da Humanidade. Também têm essa sensação?
Tudo que resulta do Homem corre a um ritmo desenfreado. Acontecimentos, tecnologias, revoluções, surgem, duram e desaparecem numa fração de século, num movimento avassalador que nos ultrapassa, que nos absorve.
Nos últimos anos temos intensificado a relação do nosso trabalho com a ciência e a tecnologia. É consequência normal da importância que estas assumem nas nossas vidas. Mais do que uma nova perspetiva do ser humano no mundo, como as introduzidas por Copérnico ou Darwin, que implicaram profundas alterações interiores no modo de nos vermos no mundo, as transformações em curso na Humanidade são agora ainda mais profundas. Alterações à nossa fisiologia, aos métodos de reprodução, à longevidade, aos hábitos de comunicação e relacionamento.
Chegámos a um momento do nosso desenvolvimento em que não é necessário exigir muito da imaginação para conseguirmos desenhar um ramo futuro na nossa árvore evolutiva. Um ser transformado, mais uma vez, pela tecnologia.
Num mundo com a sua complexidade cada vez mais visível, em que observamos a miríade de casos particulares que constituem o todo, onde existem aceleradores de partículas que ultrapassam forças fundamentais, onde nos vemos a nós próprios cada vez mais particularizados, compostos de componentes infinitesimais, torna-se cada vez mais difícil agarrar estruturas que componham um todo, uma unidade. Aquilo que eram valores adquiridos é agora uma massa desagregada em permanente movimento.
A nossa escala de tempo é ainda pequena para nos apercebermos de alguns destes processos de transformação muito graduais mas é já suficiente para sentirmos fortes sinais de mudança.
A verdade é que ansiamos por ver a evolução acontecer no nosso tempo de vida. Não queremos perder esse espetáculo assim como não perdemos, há uns dias, o trânsito de Vénus, que agora só voltará a ocorrer quando já formos todos matéria da mais básica.
Por isso vamos forçando a nossa evolução e, o interessante, é que estamos a conseguir. Mas para que isso aconteça há certos conceitos que têm de ser ultrapassados, certos limites impostos anteriormente, relacionados com a importância dada ao ser humano, que são um impedimento nesse percurso evolutivo. E que vão sendo, gradualmente, atenuados.
Quando o ser humano for um aglomerado de componentes básicos disponíveis para a transformação, aí teremos dado o passo seguinte na nossa evolução. Após termos saído do centro do mundo com Copérnico e do centro do planeta com Darwin, saímos agora do centro do Homem, para criar o Homem+.
E talvez não haja um cientista cujo nome fique associado a esta nova alteração profunda precisamente porque o Homem como o entendemos já não existirá. Será, quanto muito, uma distribuição de probabilidade.
Existirá, talvez, mais um ramo na árvore filogenética alternativo ao deste Homem+. Um ramo que refletirá a evolução da Humanidade assente em valores essenciais femininos, onde a referência ao ser humano passará de Homem a Mulher. Neste cenário talvez a evolução seja mais equilibrada, mantendo-se algumas unidades essenciais daquilo que hoje consideramos humanidade. Talvez. O que vos parece?
Neste percurso de permanente transformação do que existe e de desagregação da essência do todo ao colocar o foco na partícula, parece-nos fundamental ir olhando para trás e não perder o caminho traçado.
Ao avançar é cada vez mais necessário olhar para trás.
Demos mais um passo. E continuamos na vossa companhia.
Um abraço da Marionet
Mário Montenegro, diretor artístico da Marionet